sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Um legado chamado infância

Com um sorriso amarelo, um riso sem o "sor", ora de dor, eu passei a maior parte daqueles anos de descobrimento, foi uma época marcada por muitas incertezas e dúvidas. Eram lindos e longos dias, a hora parecia não passar, o dia parecia não ter fim, o amor pela noite se perpetuou, ele estava presente naquela ansiedade por filmes nas madrugadas do intercine e pelo delicioso mingau de aveia, ele me aquecia  e justificava a compulsividade pela comilança noturna, mas não era álibi para a falta de vontade de ir à escola no outro dia, quantos dias chorosos e nebulosos, quantos presentes concedidos pelo incentivo aos deveres e aos mimos.
Não me considero um privilegiado, acho que tive motivos o suficiente para aprender algo nessa época, aprender a me ver como um ser diferente lidando com iguais, era conflitante, quase uma tortura com os ideais infantis de se enquadrar e gostar das mesmas coisas que os outros, não que eu fosse o ser mais exótico da sala, realmente não era em partes, mas tinha algo em mim que era assim, um jeito reizinho de ser, meio mandão, competitivo, centralizador, político, o rei das festas caipiras que vendia centenas de votinhos e que obriga a família toda a comprar para ganhar, mas como todo reinado tem seu fim, fui de rei pomposo a rei momo, um rei de sim e não, de oito ou oitenta, sim eu fui gordo, sim eu fui motivo de chacotas, sim eu apanhei na hora da saída, sim eu tive medo, sim eu enfrentei as vezes, sim eles riram de mim, sim eles me jogaram ovos podres no aniversário, eu não gostava de educação física, mas amava estudos sociais, sim para história e geografia, sim para o hino nacional que cantávamos, sim é verdade que nunca me virei com o queixo pra baixo, sim eu era inocente e não beijava na boca até a oitava série, sim eu comprava um saco de guloseimas na cantina na hora do recreio, sim eu levava duas caixas de bombons para escola, sim eu comia uma e dava a outra para a professora dividir com os colegas, sim eu era/sou humano, sim eu errei, mas também acertei, sim todas essas coisas me fizeram bem, por mais cruel que elas sejam, sim eu me tornei um bom adulto, falho, mais pleno e consciente do porque aqui estou, nesse mundo.
Hoje não é dia de perguntas, é dia de respostas mesmo que incertas, é dia de brindar aquela época que foi crucial para o infinito processo de desenvolvimento do meu ser, hoje o sorriso é branco, hoje eu reconheço verdadeiramente que sou um diferente lidando com iguais, continuo amando a noite tanto ou mais que antes, amo os filmes, as mensagens, as sensações que eles me causam, amo a história e o que ela me ensina, hoje sinto a necessidade de brilhar, mas não como rei, quero brilhar no reflexo dos olhos das pessoas, reflexos de alegria, de compaixão, de união, de cumplicidade, de amor, de descoberta, de caminhos de luz, pois não há nada que satisfaça mais a plenitude humana que caminhar e ajudar seus iguais, hoje sou fruto daquele que mesmo com todos os motivos para dizer foda-se pessoas, continua a buscar novos caminhos desconcertantes e inconformistas, talvez caminhos que possibilitem harmonizar essa confusão entre plano físico e espiritual, entre sol(is), planetas e luas, entre mel e fel, entre 11h e 11min ou 15h e 15min, entre luz e escuridão, entre pássaros e galhos, entre sono e despertar, entre humanos entrelaçados.    

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